Eu sou você amanhã: a noite dos 24 anos.

[...] E eu me lembro da noite dos meus 24 anos.
Eu comemorava mais uma primavera (Como costumava dizer nos meus aniversários), mas a noite estava fria, como se o inverno não quisesse passar. Eu esperava-o numa rua do subúrbio, e nos arredores da cidade sempre parece fazer mais frio. Eu batia os queixos e começava a ficar aborrecida, mas ele dizia que estava chegando. Ele vinha de táxi me pegar para irmos comemorar em algum lugar escuro, como sempre.
Nosso caso sempre foi assim. Meio obscuro, desenrrolado no escuro, cheio de impulsos e escondido dentro de cada um. Eu o conheci em uma noite também. Escura noite. Não me lembro tão bem como desenrrolou-se tudo, mas sei que foi algo ligado à pele, à olhares, à sorrisos. Foi tudo com sentidos estremecidos, almas consentindo em se perder e em esconder.
Eu me lembro quando ele chegou naquela noite dos 24 anos. O táxi parou bem perto do portão preto da minha casa, e ele estava atrás. Quando entrei, ele me puxou bem perto, e quase em seu colo, eu escutei ele dizer-me, como quem brinca para se desculpar: Sabina, vamos a Paris!
Sim, nosso caso era em outros lugares, em outros corpos, em outras fantasias. Nunca completamente vivido, à mostra.
Eu sorri penosa, mal dizendo aquele emaranhado de confusões, mas rindo da alma infante daquele amigo. Nós cruzamos a cidade quase toda, aproveitamos cada minuto da noite, e do começo da manhã também.
Eu me lembro da noite dos meus 24 anos; não tanto o que conversamos, não tanto o que mal disse sobre nossa relação, nem mesmo lembro que roupa usava. Só lembro que estava frio, que ele me puxou e quase em seu colo fez passar minha impaciência com uma brincadeira de fugir, e com sua mão quente, por debaixo da minha blusa, passeando em minhas costas, esquentou um pouco os meus sentidos.
É meio sem sentido lembrar disso, da noite dos meus 24 anos, visto que tantos já comemorei... Mas estava realmente frio, e um garoto amigo - já perdido depois de tantas décadas - me pôs em seu colo e me aqueceu.
Eu me lembro daquela noite.
Naquela noite o frio me envolveu, mas o calor chegou de táxi e me salvou.


Memórias de Sabina.

Comentários

Pétrig disse…
naquela noite fria, nos seus braços, os problemas esqueci...

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