Ela dormiu em meus braços.

Obrigado por me ouvir.
Era o que ela repetia: obrigado por me ouvir. Já eu, maravilhado com sua beleza, responderia quantas vezes fosse preciso: por nada, minha querida.
“Eu não sei o que anda acontecendo comigo... eu acho que eu quebrei o salto! – entornando mais um gole depois de falar – sabe?
Você sabe?”
Sei...  sem saber ao certo o que tinha ocorrido, eu queria que ela ficasse calma.
“Eu quebrei o salto, a porra do salto! Agora estou sem ninguém e sem salto”
Calma!
“Os homens são como os saltos: eles nos dão beleza e quebram”
“Como assim?”
“Não importa, mas obrigado por me ouvir – tremia-se toda, uma mulher linda e confusa – eu não sei como você me ouve”

Era inicio de semestre, março eu acho, naquele tempo eu andava com vários planos e o principal deles era conhecer:
Eu conheceria de tudo e todos se a recíproca fosse verdadeira, acho fácil conhecer pessoas, o difícil é conviver. Tem outra coisa, ( : ] ) ela era linda. E ficar naquele bar ouvindo-a me enchia de alegria e prazer. Embora não compreendesse bem onde ela quisesse chegar ou ir, eu a escutava.
“Sabe?”
“Sei...”
“Você não sabe nada, vocês não sabem de porra alguma, não sabem tratar as mulheres”
Talvez lágrimas saíssem dos seus olhos naquele momento. Eu achei um pouco clichê, porém respondi:
“Então diga, para eu saber”
“Por que diria?”
Com um tom meio irritado e com os olhos radiantes. Olhos amendoados ”
“Não, eu não, mas eu gosto de você... Você sabe me ouvir. Meu salto porra! Tu sabes quanto custaram meus sapatos? Maldito!” Bebeu mais um gole, “uma vez eu conheci um cara, desses daí igual a você, porte mediano, chamoso, com boa con... – a interrompi subitamente: “Mas eu só faço ouvir” – Cala boca porra, deixa eu falar, será que é tão difícil um homem que saiba escutar?”
Soltou um sorriso:
“ Já estou gostando de você.” Sorrindo .
Eu já estava impaciente com aquela dor de cotovelo, toda beleza no mundo não pagaria ficar ali... mas era linda, continuei calado.
“charmoso, prestou atenção que eu te chamei de charmoso”
“Não, o outro igual a mim que era charmoso”
“Deixa de bobagem e me escuta: – ao falar isso balançava levemente os cabelos – pois é, super atraente ele, só que ele não sabia me ouvir.”
Eu não queria saber dele, eu tinha raiva dele, desse maldito do qual ela falava. Como não ouvir uma mulher linda como ela, como não dá atenção, eu esqueceria até de mim.
“Por favor vamos dançar comigo, meus saltos, eles estão quebrados, sabe como eu quebrei os saltos?”
Já falava com uma voz chorosa, meio inebriada.
“Sabe como eu quebrei os saltos? Ah! Obrigado por me ouvir – já chorando dizia – eu quebrei os saltos correndo atrás dele quando, quando me deixou... aaquele bosta, ele é um bosta, não é?”
“é”
“Ele me deixou aqui.”
Ela dormiu em meus braços, desprotegida, chateada. Eu não entendi direito o que aconteceu com ela: sei que ela quebrou o salto, teve, talvez, uma desilusão amorosa e precisava de alguém para conversar e eu estava disposto a ouvir. Ela dormiu em meus braços.


Continua...

Artur Furtado

Comentários

Unknown disse…
ansiosa pela continuação...

... e eu fiquei ali, observando-a enquanto dormia. Contemplando aquele rosto, lindo rosto(!)que roçava entre meu braço e meu peito, impregnando minha roupa com seu perfume...
REAVF disse…
talvezz...
obrigado

Postagens mais visitadas