Ontem a noite.

A poesia mais viva, na verdade sai da alma,
escorre no peito, desliza apelos nos braços,
encanta-se servente às mãos, e enfeita o papel,
se revirando paixão.
Dá paixão do poeta então? Que dizer?
É silêncio, é de noite,
calor, suor, gemido senão,
e ficas cravada em mim feito punhal,
sabre sem ponta, cego
que lentamente retirando-se,
esvai-se em prazer,
desmancha-se em gozo, e vira poesia.
Pelas mesmas mãos e pelos mesmos braços,
todo sangue derramado é em vão.
Que fica mesmo é teu retrato,
tua saudade,
nosso tesão,
milhares de beijos,
cigarros, copo d'água, mais uma então,
e vai amanhecendo,
devagar, lentamente, clareando,
sucumbindo a noite de luz,
e o cansaço,
e o descaso do despertar,
e o lençol no chão,
tuas roupas, teus seios,
minha mão, aconchego,
desfecho, seu beijo, gosto de pasta de dente,
sol ofuscando, elevador,
porta da rua, e a rua,
e a cidade, viva que nem a poesia,
contudo, alheia a nossa noite de amor.

Comentários

REAVF disse…
Vem das entranhas as poesias mais delirantes

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