“Nem rindo nem chorando, apenas vivendo”

Fazia minha caminhada até a faculdade, noite de ventos suaves. Fumava um cigarro para esquentar meus passos rápidos quando fui abordada por uma senhora, perguntou-me se por acaso eu teria outro cigarro. Tirei da bolsa algumas unidades e lhe ofereci o isqueiro. Ela então desatou a contar-me sua vida, apontou-me o interior da casa, escuro, disse-me ter problemas para pagar a conta de luz, para comprar o alimento do neto, ainda pequeno, e queixou-se da nora que a seu ver era uma irresponsável.

Por alguns instantes aquela senhora me fez esquecer por completo minhas angústias, minhas dúvidas. Meus problemas tornaram-se tão pequenos, tão insípidos. Naquele momento desejei ter em mãos uma daquelas cartolas de mágico, aquelas de onde se tira um coelho, quem sabe eu poderia sacar dali um tantinho que fosse de alento para aquele ser. Mesmo tendo as mãos calejadas pela luta diária, o rosto marcado pela velhice, poucos dentes, ainda havia em seus olhos um certo brilho, persistindo em meio ao sofrimento uma fagulha de crença na melhora.

Após confidenciar-me suas dificuldades apontou para o céu e disse ter muita fé Nele, que mesmo vivendo naquelas condições acreditava que Ele providenciaria o de amanhã. Terminada a conversa desejei-lhe sorte e continuei caminhando. Aquela cena não me saía da cabeça e fiquei pensando nas poucas pessoas em suas casas luxuosas, suas latas-de-lixo compradas com algumas centenas de reais, suas roupas exclusivas, assinadas por grandes nomes da moda e usadas, geralmente, uma única vez em festas de revistas. Pensei nos inúmeros engravatados de Brasília, recebendo auxílio-terno, sonegando impostos, desviando verbas e ainda assim recebendo seus gordos salários.

Pensei mais ainda nos milhares, ou melhor, nos milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza, crianças que cedo morrem de inanição, desempregados à beira da marginalidade, mães que vêem os filhos pedindo comida e nada podem fazer, crianças de rua que se entregam às drogas. Pena que a gente, a maioria pelo menos, costuma apenas pensar, o assunto logo cai no esquecimento. A mídia nos faz um retrospecto no Natal, faz apelos para festas de fim de ano mais dignas para essas pessoas pobres. Para a mídia essas pessoas só existem no Natal e o resto do ano eles nos servem um nauseante banquete de frutas podres. Belas caras, caras festas, enquanto o resto do povo segue, como diria o velho baiano Jorge Amado, “nem rindo nem chorando, apenas vivendo”.

Comentários

Pétrig disse…
Às vezes nos é permito apenas olhar o que vemos, pensar sobre tal. Mas na maioria das vezes, é sempre possível fazermos alguma coisa, não precisa nem ser grande coisa, bastam pequenas atitudes para mudar qualquer coisa, são pequenos gestos que faltam ao mundo nosso de cada dia. Como disse o Guimarães Rosa, graças a deus, não nascemos completados. Ainda há tempo de fazer algo. Adoro suas palavras, macias como um tapa na cara. :P

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