Blues...

Três da manhã... Um gosto amargo de cigarro na boca, gosto amargo de vida. Tento sufocar na fumaça de cada trago a dor que me deixa zonza, tento estancar o sangue que escorre lento, feito veneno, por dentro. “E sei também que ali sozinho eu vou ficar tanto pior...” Talvez Chico tenha uma definição pra esse peso que trago nos olhos, essa falta de firmeza nas mãos, pra esse desnorteio, essa ausência de prumo, de rumo... de chão.

Pergunto muda... Por quê? Besteira... eu sei que não precisa existir um porquê pra essas coisas, também que passa, daqui a pouco supura... que o tempo é antibiótico pra isso. Eu sei, eu sei disso tudo. Eu sei de tantas coisas que por vezes acredito que a ignorância é um luxo, quase uma dádiva e que não me foi dada. Aqui estou eu mais uma vez – pela primeira vez – quase quatro da manhã e com os olhos de fogo. Passa tanta coisa pela cabeça da gente nessas horas, e ao mesmo tempo passa nada, é assim feito um vácuo, um zumbido intenso nos ouvidos. Nada. Tudo bem, isso acontece, não tem problema, não há porque pedir perdão, não há nada pra perdoar, tudo bem, acontece. E está mesmo tudo bem, ou pelo menos vai ficar, sempre fica.

E ficam muitas coisas também e nesse momento a gente pega um baú, desses bem pesados e velhos, e guarda essas coisas muitas que ficam. E agora a sensação de estaca zero, marco inicial de meridiano. Feito uma viagem de trem onde você viaja degustando a paisagem, sem pressa, sem querer chegar a lugar nenhum, quer só viver cada instante do caminho... E de repente o maquinista avisa que você vai saltar na próxima estação, sem mais nem menos, você é expulso do trem. Agora é reaprender a andar de madrugada pelas ruas sujas da cidade, sem espreitar rostos nas janelas dos altos apartamentos. “Ouça um bom conselho, que lhe dou de graça... inútil dormir que a dor não passa.” Agora é percorrer a avenida barulhenta sem ler os envelopes espalhados nas margens. Aprender a não pensar quando chove, barrar o turbilhão de lembranças, esvaziar a mente e somente ouvir a chuva, sentir o cheiro. Reorganizar os pulmões pra receber a nova respiração e os muitos maços de cigarros que virão. A ausência de açúcar no café... porque um amargo disfarça o outro. Colírio, omeprazol e ibuprofeno. Vodka ao invés de cerveja. Garçom, um Hi Fi, por favor!

E ficar bem assim, Caio Fernando, vodka, lágrima, cigarro e café... Presa na bolha opaca de sabão, onde sinto o cheiro da curva do seu ombro... Lily Braun à espera que alguém estoure a bolha e lhe ofereça um drink... bem Blues. E depois do estouro, como um pugilista que leva um soco tão foda que desliga o disjuntor, lá vamos nós outra vez... Salto alto, boca vermelha, unhas compridas, o copo vazio, o estômago contorcido e mais cigarros! Voltarei a dormir sonos de pedra sem sonhos, ouvindo Chico que canta...
Olha Maria/ Eu bem te queria/ Fazer uma presa/ Da minha poesia/ Mas hoje, Maria/ Pra minha surpresa/ Pra minha tristeza/ Precisas partir/ Parte, Maria/ Que estás tão bonita/ Que estás tão aflita/ Pra me abandonar/ Sinto, Maria/ Que estás de visita/ Teu corpo se agita/ Querendo dançar/ Vai, alegria/ Que a vida, Maria/ Não passa de um dia/ Não vou te prender/ Corre, Maria/ Que a vida não espera/ É uma primavera/ Não podes perder...
Anda, Maria/ Pois eu só teria/ A minha agonia/ Pra te oferecer





Comentários

Pétrig disse…
adoro blues, chico...e seu descaso com as letras que só falam do amor, digo, você escreve dessas dores que ninguem gosta de escrever. parabéns
Suzan Keila disse…
Nada como Chico e vodka pra curar qualquer dor...ou afogá-la um pouco mais... =)

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