Envelopes

Os muros que margeiam a grande avenida trazem desenhados envelopes cor de saudade... Ela procura cada envelope com ansiedade como se buscasse os olhos dele. Da janela do ônibus lotado essa busca é a única maneira de manter-se acordada. Queria dormir, queria hibernar para assim driblar a saudade que pressiona o peito. Sente a pele ouriçar e a cabeça lateja. Sente como se faltasse uma parte de seu corpo, uma parte que faz muita falta! É exatamente isso que o pequeno envelope traz escrito ao lado "Você faz falta!"

As frases que os envelopes trazem instalam-se em sua alma... Antes da chegada dele os envelopes despertavam coisas doces, quase calmas! Mas agora, alguns metros depois, outro envelope "Aqui tudo mudou!" Agora cada frase é como um soco no estômago, respiração difícil, lábios ressecados, lábios sozinhos, sem beijos, a nuca nua, agora sem a respiração quente dele...

Põe a cabeça para fora da janela... sente o vento percorrer a pele e esse vento perturba, traz o cheiro dele, varre a calma e joga dentro dela uma vontade sem lei, um desejo sem par. Sente a alma arquejar, sem forças. No corpo tremores, saudade. A garganta vai fechando aos poucos num nó alucinante, um gosto amargo na boca que ela inutilmente tenta disfarçar com café e cigarros.

Fecha os olhos e tenta respirar... É arrastada pela imagem do sorriso dele... sua íris castanha, aqueles olhos de menino, de bandido! Suspira e sussurra... Covarde! Suspira e escuta... Besta!

E num muro branco... no meio da avenida... mais um envelope "Não acredito que não fui com você..."

Fecha mais uma vez os olhos, respira fundo como se fosse mergulhar e repete Clarice Lispector, bem baixinho, e pra si mesma admite sem medo! "Sinto a falta dele como se me faltasse um dente na frente: excruciante!"


Engole as palavras pintadas nos muros, degusta os envelopes e no fim aquele gosto amargo de saudade, café e cigarro.

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