quinta-feira, 28 de outubro de 2010
O que você está pensando agora?
Lembrou-se do quarto do hotel, o ventilador pequeno na mesinha ao lado da cama, as embalagens diversas espalhadas pelo chão, os lençóis em desalinho. Onde estariam suas roupas? Decerto embaixo da cama ou na cômoda ao lado do armário sem portas, mas isso não importa. Apenas uma janela por onde entrava um vento quente que deixava o quarto abafado e confuso, mas não importa.
Somente a luz do banheiro acesa dissipava o breu do quarto. Só se podia saber em que parte do dia estavam quando alguns raios de sol entravam ou fugiam pelas venezianas brancas da janela. Às vezes o barulho da televisão que mesmo em alto volume não se fazia escutar, mesmo em horário nobre não se fazia assistir.
Lá fora praia, bares, cafés, amigos... mas isso não importa. Uma vontade intensa de não sair dali, ficar assim mesmo no calor, ouvindo o violão, sentindo o cheiro de pepino e chá verde, descobrindo a pele, provando aquele sabor de vida, deixando os sussurros abafarem o som da tv, deixando o suor umedecer o ar quente daquele quarto de hotel. Isso importava, queria isso, agora, ele.
Lembrou seus lindos olhos castanhos, passara muito tempo mergulhada naquele castanho-mistério-que-você-nem-sonha-nem-sabe. Os dedos entre os cabelos molhados, lavados sem shampoo, as sardas maliciosamente espalhadas pelos ombros de pele branca. Os beijos distribuídos naquele exato lugar onde acaba o pescoço e começa o ombro. Lembrou do abraço forte e doce, a barba mal feita passeando pela a nuca, as mãos suaves e quentes, a voz ao pé do ouvido, o riso frouxo quando diziam alguma besteira...
E nesse instante de lembrar-o-que-não-se-esquece que durou uma fração de segundo e uma eternidade, ela chegou a senti-lo ali deitado a seu lado e dentro de seu devaneio chegou a ouvir aquela mesma pergunta que ouvira durante dias... “O que você está pensando agora?”
Envelopes
As frases que os envelopes trazem instalam-se em sua alma... Antes da chegada dele os envelopes despertavam coisas doces, quase calmas! Mas agora, alguns metros depois, outro envelope "Aqui tudo mudou!" Agora cada frase é como um soco no estômago, respiração difícil, lábios ressecados, lábios sozinhos, sem beijos, a nuca nua, agora sem a respiração quente dele...
Põe a cabeça para fora da janela... sente o vento percorrer a pele e esse vento perturba, traz o cheiro dele, varre a calma e joga dentro dela uma vontade sem lei, um desejo sem par. Sente a alma arquejar, sem forças. No corpo tremores, saudade. A garganta vai fechando aos poucos num nó alucinante, um gosto amargo na boca que ela inutilmente tenta disfarçar com café e cigarros.
Fecha os olhos e tenta respirar... É arrastada pela imagem do sorriso dele... sua íris castanha, aqueles olhos de menino, de bandido! Suspira e sussurra... Covarde! Suspira e escuta... Besta!
E num muro branco... no meio da avenida... mais um envelope "Não acredito que não fui com você..."
Fecha mais uma vez os olhos, respira fundo como se fosse mergulhar e repete Clarice Lispector, bem baixinho, e pra si mesma admite sem medo! "Sinto a falta dele como se me faltasse um dente na frente: excruciante!"
Engole as palavras pintadas nos muros, degusta os envelopes e no fim aquele gosto amargo de saudade, café e cigarro.
sábado, 23 de outubro de 2010
Canção da Manhã
carícias agudas
esperam por mim
inebriados pelos cheiros
possíveis de sua nuca
e pela beleza desnuda
de sua face
Esperam por mim
sonhos fluidos
árvores ciliares
realidade gotejante
em forma de canção
sentimental
Em forma de desenhos
matinais
espera por mim
alvorada cintilada
pelas folhas da primavera
Bela, aguda e sincera
como a sua voz
espera por mim
a canção da manhã.
terça-feira, 19 de outubro de 2010
Identidade
Existi ao ser reconhecido, vivi quando não me reconheceram, fui e voltei despercebido, foi quando me conheceram. Surpreendi ao ficar surpreso, ao saber que era fácil mentir e, quando eu disse que não era eu mesmo, pediram para eu desmentir. Tendo feito a confusão, naquele jogo de aparência, tão poucas e claras evidências poderiam comprovar: Eu era o mesmo dito e próprio registrado em cartório assim como o meu irmão o qual não era eu. Fato consumado, eu não poderia mais mudar, teriam o meu histórico, o que eu poderia falar?: Forjada como todo aparência a qual se transfigura às evidências aquele registro não sou eu, pois ele é muito mais o meus pais. Já os históricos, falam mais sobre o modo de avaliação e de registro de uma época que era desperdício deixar algo fora do ar. Por isso, faço agora de mim uma interrogação? É fato, existo, mas nem por isso sou aquele que não era o meu irmão. Pois vivo, ao deixar de ser quem eu era, para ser várias vezes quem eu sou.
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Ela e a Felicidade II
acalentou a irmã.
Fizeram as pazes.
As duas,
como uma só.
Uma só alma.
O que outr'ora doía,
já passou.
A inquietante agonia,
já sarou.
Uma constante alegria,
paira entre as duas.
Ela, faz uma prece...
Pede a Felicidade
que não a deixe mais sozinha.
A Outra, pede perdão...
Diz que sempre estarão juntas.
E caso Ela não encontre.
Que procure dentro de si.
Porque as duas,
são como uma só.
Ela e a Felicidade.
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Olha
Das dunas fiz um porto.
Diante de ti tremo e tenho tudo e remo tanto para não falar que minha rima fraca e cansada de repouso e de descanço de um trabalhador da p...