Sincretismo
Nos espaços vazios guardei, cheia de intenções, lembranças carentes por cuidados. Isso me completava da forma como éramos, do saboroso gosto de tempos atrás. Essas lembranças no vazio contaminavam o que já estava preenchido e, como se fosse remédio, devolvia a força que jamais perdi. Eu era outra ou eu mesma antes de ser o que sou agora. O meu corpo contorcia-se com essa transformação. Eu tinha certeza e desejo. Caia convalescida ao ar.
Ao mesmo tempo, faria falta, como fez, ao encontro aquele tempo resguardado para acalentar a alma. Mas o momento de tão intenso firmou, pesadamente, seus anseios em meu corpo. Sua loucura, razoável, em temer o próximo instante deixou-me tensa. Não poderia eu suportar por nós dois os descuidos e destemperos fortuitos de uma noite em que tudo seguiria num caminho inimaginável. Sem controle, muito mais do que a dor na falta de tempo,o meu delírio vinha da sua transformação.
Eu já não era mais carne, pois flutuava ao som de canções afros e Iansã protegia meus passos ao calor da luta. Lutaria por aquilo que me seria. Num redemoinho de fogo eu forjaria o nosso amor. Decidida na sensualidade fina de mulher perdida eu me acharia em seus braços nada material, mas parte e extensão do ritual de união. Nessa fração, com outros aspectos, seríamos sim como éramos, pois éramos a fração do aspecto. Além da matéria, eu voltaria a enxergar nossos sonhos. Nos reconheceríamos, talvez, por instantes e instantes; e tudo seria novo, teria o sabor gostoso do velho e a delícia do recente.
- No entanto, eu já não era ela, eu era o observador, meus olhos tremiam ao vê-la dançar volúvel; esvaindo-se na fusão de nosso corpo. Eu me vi tragado e repelido ao ar por várias vezes. Ela me envolvia; eu penetrava em seus poros. Num processo intenso, éramos um em dois corpos, sem nada ser para um novo recomeço...
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