sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Ontem a noite.

A poesia mais viva, na verdade sai da alma,
escorre no peito, desliza apelos nos braços,
encanta-se servente às mãos, e enfeita o papel,
se revirando paixão.
Dá paixão do poeta então? Que dizer?
É silêncio, é de noite,
calor, suor, gemido senão,
e ficas cravada em mim feito punhal,
sabre sem ponta, cego
que lentamente retirando-se,
esvai-se em prazer,
desmancha-se em gozo e vira poesia.

Pelas mesmas mãos 
e pelos mesmos braços,
todo sangue derramado é em vão.

Que fica mesmo é teu retrato,
tua saudade,
nosso tesão,
milhares de beijos,
cigarros, copo d'água, mais uma então.

E vai amanhecendo devagar, 
e lentamente clareando,
sucumbindo a noite de luz,
o cansaço.
E o descaso ao despertar,
e o lençol no chão,
tuas roupas, teus seios às claras,
minha mão aconchego.

Desfecho seu beijo, gosto de pasta
sol ofuscando o elevador,
porta da rua e a rua.
E a cidade, mais nua que nós, 
viva que nem a poesia,
mas toda alheia à noite de amor.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Fanatismo

Florbela Espanca

Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão de meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, vivo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!...

* Dedicado àquelas que "retornaram" ao a-casos, encantando-nos com suas palavras sutis.

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
quem nem se mostra

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelhos ficou perdida
a minha face?


Cecília Meireles

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O mundo que eu não te dei logo.

Quem sabe eu passo lá mais tarde,
faço uma serenata pra ela,
vê se ela sai na janela,
vê se o que eu canto pra ela
enfeita a viela aonde ela foi morar.

Tão longe daqui ela foi, tinha de ir.
Já mandei carta, e-mail, fax e telegrama,
escrevi um romance, um poema e um drama,
liguei, liguei denovo, denovo telefonei.
Até mensagens psicografei em vão.
Ela não respondeu. Ou  ela respondeu não? 
E Agora? E então?
Vou me fazer pássaro e voar pra sua porta?
E lá chegando com que cara torta eu vou ficar? 

Era tão bom quando moravas tu ali na esquina,
pertinho de mim, tão fácil p'ra rima,
tão dona da rua, tão nua, tão linda. 
tanta alegria e eu não sabia, e eu sem saber.
Mas também se soubesses seria o quê de mim?  
Se advinha que você tão cedo iria,
que não ficaria nem mais um dia.
Eu teria te dado logo o mundo inteiro.

domingo, 23 de novembro de 2008

A rebeldia não é própria da adolescência; é sim a insensatez.

Dê o dedo a cada câmara que te vigiar
A cada olhar que te protege
A cada qual que se guia por rotas e sinais.
Dê uma flor à velha da padaria
Aos que falam sem cortesia
A mão que te auxilia sem os mil réis no final.
Esqueça os homens do choque,
O ladrão da esquina,
O pó da cocaína e o pão de amanhã.
Dê um tempo no próprio relógio
Visite o purgatório e não se esqueça de bailar.
Cante porque dos males que espantas a dor não é tanta, pois um dia irá morrer.
Não faça da vida um mar de lágrimas (pra navegar amor).
Não preencha seu tempo com ócio de acordar e correr comer trabalhar e dormir.
Nesses entre tempos o maior ócio de assistir TV.
Ah, não dê conselhos ao seu auto-ego
Por que eu digo isso?
Parece sem sentido, mas uma prosa sem sentido quando dita com objetivo parece ter toda razão de existir.
Não importa meu amigo, pois ainda conseguimos sonhar.
Teus sonhos são tua maior coleira. (risadas)
Eles te amarraram por aí.
Eles induziram teus sonhos.
Traga novos sonhos novos.
Nada disto queres.
Vamos começar de novo?
Dê o dedo a cada câmara que te vigiar
A cada olhar que te protege
A cada qual que se guia por rotas e sinais.
Esqueça nada que eu te disse, Arteiro.
Não te esqueça!

sábado, 22 de novembro de 2008

Prato cheio

A Ah À Há!
A arte sucumbe aos teus olhos.
Em tua alma, criva os tecidos tortuosos;
Contorce nos quadros, nos portas retratos da nossa memória;
Excita o ventre parco dos seus filhos, gera fissuras independentes.
E se esforça à maneira de arte eloquente, à mesa do lar.
Há sede festeira de criar o que vai consumir.
Inaudito os sentimentos, reascendem desaquecidos, sem temor.
Ah, amor, como muitos falam de ti.

Com essas bocas doces, alardeiam em quatro tempos os seus fragmentos.
Silenciosamente eu te observo, absorvendo os teus sinais.
Contemporaneizando os teus sinais, ah há a à arte em si...
No flamejar dos corpos ao se contorcer pairam movimentos mecânicos a se desenrolar.
Nada mais foi dito a arte depois de então.
Nada mais foi repetido depois daquela ocasião.
Admirado, ficaram observando a atração que era o outro em um blues.
Somente o outro a bailar a sua frente, em todos os lugares.
Corpos dóceis, corpos frágeis em todas as direções caminhavam.
Burburinhos também eram notados, ritmados, a lógica decaia.
Era a vida da arte da vida sensitiva que se criava pois a fome ajudava no transe em sinais.
É tudo corpo, síbolos de um mundo em nós.
Vejam onde pisam, por onde andam se não há mais chão.
Ah! Não há mais chão.
Seria isso bom?
AAAAAAAAAArteeeeeeeApoucaEmcadabocaparasealimentar, de quê?
Fast Food nos fim de semana.

Acorda amor!

Vai acorda! É cedo já!
Levanta meu bem, vai trabalhar,
no meio dia a gente se vê,
vou levar as crianças na escola,
e passo pra almoçar com você.
A tardinha, a gente deita um pouco,
te faço juras eternas,
muito carinho e um bom café.
Esperamos a noite chegar,
brincamos com os meninos,
jantamos quissá.
Um bom livro, a cama e a Tv.
Quem sabe lá pelas onze
a gente inventa algo p'ra fazer.
Quando tudo estiver em silêncio,
e a madrugada se fizer calada,
debruçamo-nos em nós,
e a revelia dos lençois fazemos amor desvairados
As mais atrevidas carícias no teu corpo.
Vai amor, acorda que não é sonho!

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Faz tempo...

“Solidão não cura com aspirina...
Até um canalha precisa de afeto...
Tanto amor em mim como um quebranto...
Tanto amor em mim, em ti nem tanto...”
Zeca Baleiro

Faz tanto tempo que a gente não conversa... Não tenho lhe visto com a freqüência de outrora, e quando nos vemos o turbilhão de pessoas à nossa volta não me permite enveredar em assuntos mais profundos. Sinto falta dos nossos diálogos, você com seu jeito sereno a me explicar sobre nossa jornada em busca do auto-conhecimento. Confesso que nos últimos tempos tenho me sentido estranhamente só, eu creio que você possa entender o tipo de solidão a qual me refiro. É normal pessoas como nós sentirmos um vazio inquietante às vezes. Você também percebe uma ausência inexplicável de alguma coisa que impulsione nossas almas, que nos desperte o desejo de pôr o bloco na rua?
Há algum tempo que não nos sentamos tranqüilamente e observamos o findar da noite... Fazem-me falta as suas palavras acolhedoras, faz falta lhe ouvir dizer que as coisas irão dar certo, que é preocupação à toa e que eu sempre enxergo o problema maior do que realmente é. Além da minha inquietude, ando querendo saber de você, como vão os projetos, como vai seu coração, se está se cuidando como deveria. Você sabe perfeitamente o quanto me preocupo com essas coisas.
Pois é meu bem, eu ando um tanto sem leveza. Minha aparência é contraditória, a magreza de meu corpo não condiz com o peso que sinto, meus ossos parecem de mármore e pesam. Meus sorrisos distribuídos amiúde não revelam a aridez de um riso contido, o brilho opaco de meus olhos desmentem a avidez dos “olhos de corça”. A única coisa que não vacila é meu canto, continua intenso e sentido... O resto está sem gosto, sem graça. Tenho me questionado tanto sobre algumas de minhas certezas. No final de cada noite, quando me preparo para enredar mais uma madrugada em meus olhos despertos, o que me sobra é um quê de solidão, um silêncio que não acalma, apenas apoquenta-me o juízo.
Quando nos virmos novamente tente perceber, entre uma conversa, entre um gole de cerveja, entre um sorriso, ou mesmo entre uma tacada... O discreto, porém insuportável, ranger de meus dentes é o sinal incontestável de minha insatisfação, de minha agonia. Espero vê-la em breve, espero que me traga boas novas pois já não tenho certeza de muitas coisas... Aquela data, lembra da nossa data especial? Não terá significado algum sem você por aqui...

Eu sou você amanhã: o cheiro carnal.

[...] E eu me lembro de como era o cheiro do sexo.
Há tempos não tenho mais, não extraio de ninguém...
Minha idade já passou. Mas lembro, lembro do cheiro. Mamãe me olhava de cara feia quando chegava em casa de manhã, com aquele cheiro forte que impregna a gente... Aquela mistura de suor, saliva, de vida derramada por entre as pernas. Eu me lembro de, entre susurros e unhas, sentir o caminho que o suor fazia, saindo do rosto deles, encontrando o canto da minha boca, jogando nela aquele gosto salgado de cansaço e satisfação. O cheiro que preenchia todo o quarto, toda a varanda, toda a praia... O cheiro que aumentava logo depois que minhas pernas começavam a tremer; que aumentava logo depois que eles pulsavam ritmicamente.
O cheiro que perfumava a malemolência que se seguia, que penetrava nossas roupas, que impregnava nossos cabelos, que se escondia em cada pormenor do nosso corpo. Ah, aquele cheiro me hipnotizava, e quando eu ia dormir, colava meu braço bem perto do rosto, jogava o cabelo pra frente, tentava sugar o cheiro para dormir mais satisfeita. Quando acordava, ele já havia sumido...
Ele sumiu de mim há muito tempo, já.
Mas à qualquer vacilo de alguém, na rua, nesses cantos escondidos de esquina, me fazem farejar rápido, lembrando do misto de aromas. Eu as vezes sinto, sim, ao passar do segundo andar, ao entrar em um banheiro público...
O sexo pode já ter me deixado há algum tempo, mas a luxúria é eterna...
E ela, eu sinto de longe.


Memórias de Sabina.

A Lista

Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais

Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar

Onde você ainda se reconhece
Na foto passada ou no espelho de agora
Hoje é do jeito que achou que seria?
Quantos amigos você jogou fora?

Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender?
Quantos defeitos sanados com o tempo
Eram o melhor que havia em você

Quantas mentiras você condenava
Quantas você teve que cometer
Quantas canções que você não cantava
Hoje assobia pra sobreviver

Quantos segredos que você guardava
Hoje são bobos ninguém quer saber
Quantas pessoas que você amava
Hoje acredita que amam você

Oswaldo Montenegro

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

E- L - E - S


Como animais,
ao tocar por nada ou do nada
pensam em descansar.
Silenciam...
Pensam...
E lêem...
Eles se sentem como se fossem a pele do outro.
Respiram.
Eles consomem uma seiva delirante e respiram triunfantes
a tua, o teu desejo...
Ao te medir.
Eles não são assim meticulosos,
mas ninguém sabe como poderiam ser...
Eles vivem num acaso, de um caso,
sem valores morais.
Não sabem conter suas emoções.
Eles não temem o amor
mas sentem a paixão.
Eles não tocam por nada ou do nada.
Eles afetam nosso bem estar e são difíceis de reconhecer.
Misturados à multidão, eles se perdem.
Se encontram ao tocar como deve ser.
Uma nota só.

Sê feliz.

Se uma mulher desvia teu olhar, não há duvida,
é bela então. E tu a fita a perder de vista,
é distinta senão, como as belas flores,
dos encantados jardins.

Se desvia porém teu caminho, há mais no ar que beleza
há um quê de semente, de amizade nascente,
e bondade somente. Há um quê de pois não,
vens então, e ensina-me algo bom.

Se contudo uma mulher desvia-te do teu juízo,
e te faz perder o rumo, e já não sabes pra onde olhar,
e já não vês mais jardins, nem flores nem mar,
não crês em mais nada, amizade, beleza e paixão,
digo-te: casa com ela então, tens filhos e filhas com esta mulher,
e sê feliz.

Eu, Você e o Cartão

Por que você me empurra?
Por que me joga?

Pensa que pode me manipular como se eu fosse um peão?
Pensa que pode ver quem eu sou assim?
Pensa que eu sou tão fraca assim?
Não sou uma criança que você pega na mão para atravessar a rua.

Você está demente, louca idiota?
Você é muito inteligente para agir assim.
Não consegue ler minha alma, meus pensamentos e sentimentos só olhando meus olhos e
gestos.
Brinco e você pensa que é verdade.

Sei me cuidar, não te dei o título de escudeira, nem muito menos de cavaleira.
Respeite meu jeito, meu espaço, meus gostos, meu tempo.

Pode ser que assim você venha a ter crédito no seu cartão.

Dia Quente...

Enquanto ando de lá pra cá
pensando no turbilhão dos acontecimentos
começo a perceber
que depois da nossa demorada conversa
voltei a escrever.

Depois da queda,
da loucura,
da paranóia,
dos olhares que não eram meus,
mas estavam em mim.

Depois do tempo passar voltei a mim.

Natural

Tentamos por vezes ser...
Meio loucos
Meio lúcidos
Meio lúdicos
E um pouco sérios.

Pensamos às vezes...
Certo
Errado
Torto
Vazio
Cheio
Grande
Pequeno
Por si
Por mim
Por você
Por Nós.

Mas o ideal já está feito.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Doce aroma de agonia.

Doce aroma aquele que emana o grande amor...
Aquele que de longe, e subitamente, te leva a correr os olhos pelo recinto, como um animal atento, farejando o ser desejado. Aquele que você não consegue definir: madeirado, de jasmim, cítrico... Você não sabe ao certo as essências, que misturadas te causam esse frisson. A única que você sabe é que ele é essencialmente forte. Forte o bastante pra você lembrar pelo resto da sua vida. Você pode senti-lo hoje, e passar um longo tempo sem ver esse grande amor... Um dia você vai estar na padaria da esquina, esperando na fila do pão, e vai sentir esse cheiro. Imediatamente você vai lembrar, procurar e se desesperar ao perceber que foi apenas uma brisa que te trouxe esse aroma... Que aquela pessoa não estava ali. Foi o que aconteceu comigo hoje pela manhã. O doce aroma que emanou de ti, durante algumas noites de fervor, entre pernas, mãos e gotas de suor; o doce aroma que em mim chegava, pelos pingos do teu rosto colado no meu ser; o doce aroma que ficou no travesseiro quanto você se levantou, e nunca mais voltou, me encontrou novamente. Eu estava sentada, à ler qualquer coisa sobre bosques chilenos, e o teu cheiro chegou até mim. Eu, atônita, olhei por todo lado, levantei-me, fui até a rua, ansiando...
Nada.
Era só o vento brincando de crueldade.
Tu foste embora, e a única coisa que me deixaste foi a agonia de sentir teu cheiro quando o vento está entediado.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Fogaréu de Encantamentos

“A paixão é um mar/ Parabólica/ Dilatada/ Estrada que dói/ Encanto de flor/ Labirinto/ Espera de redes/ Parece toda raiz/ Só raiz/ Quando não canta o trovão...”
Transfiguração – Lirinha – Cordel do Fogo Encantado


Com um ar atoleimado, bestificado, contemplo o espetáculo. Bebo absorta cada gota do mel de versos que rebenta de teus lábios, em meu corpo escorre o suor da tua lira. Por entre o jogo de luzes todos avistam os trejeitos excêntricos da tua dança, teus movimentos tresloucados, teu corpo a serpentear pelo palco iluminado. A garganta rasgando as canções vibráteis, deixo a força dos batuques percorrer cada pedaço da carne ferida, num jogo de rimas indóceis, opostas. Tudo a um só tempo, calmaria e turbulência, fogo e água, terra e chuva, vida e morte.

No sorriso inebriante do palhaço, totalmente entregue ao rito musical, giram numa mesma roda o sertão e o mar, misturando arte, história e vida. A multidão do teatro a celebrar a poesia do louco de Deus. Uma poesia sincrética, como se ali coubessem, lado a lado, santos, orixás, profetas, soldados, sertanejos e bailarinas. Profecias escritas em pedras, penduradas nas ondas do rádio ou mesmo o sânscrito num valete de paus do baralho de uma louca, tudo vira arte, tudo nasce perante os olhos incrédulos.

A voracidade do teu canto, como se tivessem-no arrancado das profundezas da terra, a energia dos batuques desvairados, a irradiação das cordas alucinadas, a aclamação da platéia arrebatada, uma encenação única, excepcional. E que digam os outros que enlouqueci pois é verdade, a música tem esse poder, principalmente aquela feita pela alma em brasa. O tempo, a saudade, o amor, a favela, o povo, o circo, a seca, a chuva, a terra, o homem e a mulher, todos queimam nas barbas do profeta, no Cordel do Fogo Encantado. E enquanto isso, lá fora, uma lua enormemente branca transfigura um céu negro através da fumaça do cigarro.

Assim és.

Quando me partes o coração, e já não resta nada,
e tudo é pouco,
e tu és rouca,
e chora a mim,
te faço eterna, te vejo esperta, te falo enfim,
que não és mais nada, que não tens mais porque,
sabes até que te falo, sabes até que é enfim,
noutro segundo te calo,
e toda tua ausência é soberba,
e toda soberba é inventa,
discreta quando olha, e calejada quando rir.
Que saudade sem nome é essa,
que mata, destrói e aos poucos se vai,
deixando meio morto, um pedaço de mim.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Um pé na frente do outro.

Eu não me importo onde vou parar
mas sinto no desenrrolar dos teus gestos
e da tua fala fingidamente macia
que você não vai conseguir me levar
A sua força não atrai minha liberdade
seu desejo te trai na hora das verdades
Eu quero que a minha hora chegue
e que eu possa me dizer que fui por quê quis
Não importa o quê quer que eu deixe...
Eu deixo pra trás, e não te encaixo no arrumar da mala
Desculpas nem sempre acho pra tamanho desdenho
- entenda, meu bem... Nem eu mesma entendo -
mas sei que tudo isso, ao meu modo, me deixa feliz
Esse é o caminho que eu quero fazer, que sagrado se faz
por isso te digo que só caminhando o medo se esvai
Vai, segue cantando
Vai, segue amando, meu amigo
Eu te sigo na minha tranquilidade de fazer eu mesma meu caminho
Você segue, mas não segue sozinho
Eu te acompanho de algum modo;
mesmo que não deixe vestígios dos meus passos
eu te observo em outros braços
e sigo, distante, velando por ti.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Arteiro

O que se passa, Arteiro?
Por onde andas que não se ouve mais teu alento.
O que te passas, nestes dias de verão?
Não te vejo mais correr atrás das raias.
Não brincas mais de super herói.
Por que se escondes nesse rosto de desilusão?
Até ontem, eras o mais alegre da rua.
Hoje, ficas nos cantos se ninguém notar.
O que se passa, meu amigo?
Volta a brincar.
Vai jogar bola.
Levanta-te!
Anda Arteiro, esqueces a crise internacional.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A menina que queria roubar um livro.

Eu ando lendo linhas tortas
correndo meu olho, passando páginas
rindo e chorando em linhas novas
suando minhas mãos à cada passagem
Eu ando lendo em uma nova língua
aprendendo uma nova história
traduzindo a alma de quem narra
enquanto esperam que a minha própria fale
Eu ando lendo com os dedos
sentindo cada letra e cada cantar
ansiando pelo beijo que eu sei
que ele e a mocinha vão se dar
Eu ando lendo curiosa
vai e vem, eu fecho os olhos
- eu não queria terminar de ler -
mas eu preciso ver o final
pois me mataria não saber.
Eu ando lendo atenta,
pisco o olho, mas logo abro;
eu fico tentando nada perder
mas eu sei que me escapa alguma coisa
talvez uma vírgula ou uma cena de prazer.

Eu ando lendo você.
Tirei da estante, mas não sei se tenho tempo bastante
antes de te devolver.
Eu queria te ter na cabeceira, reler quando quiser
mas você não me pertence e todo mundo te quer.
Todo mundo quer te ler, mesmo que depois não se possa possuir e tenha que devolver no tempo certo, pra prateleira que você saiu.

Quem sou eu pra te roubar?

domingo, 9 de novembro de 2008

Frêmito

Frêmito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doído anseio dos meus braços a abraçar-te,
Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!
E vejo-te tão longe! Sinto tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que não me amas…
E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas…
Florbela Spanca em A Mensageira das Violetas

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

“Nem rindo nem chorando, apenas vivendo”

Fazia minha caminhada até a faculdade, noite de ventos suaves. Fumava um cigarro para esquentar meus passos rápidos quando fui abordada por uma senhora, perguntou-me se por acaso eu teria outro cigarro. Tirei da bolsa algumas unidades e lhe ofereci o isqueiro. Ela então desatou a contar-me sua vida, apontou-me o interior da casa, escuro, disse-me ter problemas para pagar a conta de luz, para comprar o alimento do neto, ainda pequeno, e queixou-se da nora que a seu ver era uma irresponsável.

Por alguns instantes aquela senhora me fez esquecer por completo minhas angústias, minhas dúvidas. Meus problemas tornaram-se tão pequenos, tão insípidos. Naquele momento desejei ter em mãos uma daquelas cartolas de mágico, aquelas de onde se tira um coelho, quem sabe eu poderia sacar dali um tantinho que fosse de alento para aquele ser. Mesmo tendo as mãos calejadas pela luta diária, o rosto marcado pela velhice, poucos dentes, ainda havia em seus olhos um certo brilho, persistindo em meio ao sofrimento uma fagulha de crença na melhora.

Após confidenciar-me suas dificuldades apontou para o céu e disse ter muita fé Nele, que mesmo vivendo naquelas condições acreditava que Ele providenciaria o de amanhã. Terminada a conversa desejei-lhe sorte e continuei caminhando. Aquela cena não me saía da cabeça e fiquei pensando nas poucas pessoas em suas casas luxuosas, suas latas-de-lixo compradas com algumas centenas de reais, suas roupas exclusivas, assinadas por grandes nomes da moda e usadas, geralmente, uma única vez em festas de revistas. Pensei nos inúmeros engravatados de Brasília, recebendo auxílio-terno, sonegando impostos, desviando verbas e ainda assim recebendo seus gordos salários.

Pensei mais ainda nos milhares, ou melhor, nos milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza, crianças que cedo morrem de inanição, desempregados à beira da marginalidade, mães que vêem os filhos pedindo comida e nada podem fazer, crianças de rua que se entregam às drogas. Pena que a gente, a maioria pelo menos, costuma apenas pensar, o assunto logo cai no esquecimento. A mídia nos faz um retrospecto no Natal, faz apelos para festas de fim de ano mais dignas para essas pessoas pobres. Para a mídia essas pessoas só existem no Natal e o resto do ano eles nos servem um nauseante banquete de frutas podres. Belas caras, caras festas, enquanto o resto do povo segue, como diria o velho baiano Jorge Amado, “nem rindo nem chorando, apenas vivendo”.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Tempo gasto.

[...] Quando a gente sabe que algo ficou no passado?

- Acho que quando a gente se consome à contar
por entre bocas, lágrimas e risos,
já mais nem percebendo o prazer doentio
lavando todos com um rio de melancolia.

- Mas passado é parte obrigatória de se falar
em mesas de bar, na rua, no lar.
Rememorar...

- Pra mim é mais sentir uma dor pulsar no seu peito
e fazer dessa nostalgia, o amor nosso de cada dia.

- Passado, passado.
Tempo, tempo gasto...
Todo gasto no caminho.
E então de novo vivido,
quando a gente se põe a lembrar,
a falar do que se foi...

- Quando eu bem penso no que passou,
lembro de todos os olhares que ficaram presos
em todos os amores que tive e deixei passar. ..
Nossa, já sinto até minha gastrite pulsar.

- Eu lembro, relembro;
só meço a dosagem pra não me afogar...
Não me afogar no que ficou lá no dia 13 ou 22,
em São João, ou no que se deu depois...

- Na próxima festa junina,
na próxima noite,
na próxima esquina,
quem sabe a gente se encontra
e vive de novo um novo presente
pra depois rememorar um novo passado
de novo (,) amado

- Novo passado? Passando de novo?
É um ferro de engomar que você anda querendo?

- Na verdade, não importa...
Já está todo gasto e sem remendo.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Ex cravo.

Há uma cisma inquieta no meu peito,
sinto que tem anos que ela está lá,
presa, escravizada em mim,
não é paixão, nem rancor,
raiva sei que não é,
amor muito menos,
até poderia ser, mas não,
é mais sutil,
mais delicado que qualquer temor,
menos intenso que um beijo qualquer,
mais apertado que abraço em fervor,
menos calejado se em dor estiver.
confuso, tanto e por quê.

Me acalma quando me foge aos pedaços,
no meu encalço, acho que é riso,
se verdade não for,
nem mentira,
e se não em mim fica,
é só poesia então.

Soneto do novo eu

Atrevo-me até a te esquecer,
buscando noutras bocas te encontrar,
esqueço até de me perder,
nas tuas horas eternas a lembrar.

Posso eu correr pra longe,?
se fazer de mudo, surdo e louco?
Errar até os erros mais ferozes,
pra sair de ti um pouco?.

Acho-me vago, esperando o tempo ocorrer,
e ocorre-me que tu não vens mais.
e perdi-te nas minhas entregas do haver.

E corri-me, buscando novo mar!
Tentando de novo, um novo ser,
E morri-me, em desamor, noutro velho luar.

domingo, 2 de novembro de 2008

Balbucio Noturno

À noite...
Todos os gatos são pardos
Todos os beijos são parcos
Todas as doses são poucas
Todas as vidas são loucas...

Rarefeito

Eu que não sei, pedi um cigarro, mas não consegui ascender.
Então, pensaram que eu estava errado, que eu não poderia escrever.
Levei mais de um ano ou mais até descobrir.
O que eles queriam eram coisas bonitas que descem para assistir.
Bolinhas vermelhas no teu coração, azuis porque não?
O que vale é a tentativa senão é o seu tempo preencher.
Quando no fim, sim!
Quando terminar o caminho da felicidade.
Um pouco mais tarde, quase pé na cova, você vai descobrir:
Eles só queriam roubar seu tempo baby e não parar de produzir.
Eu que não sei, pedi um cigarro e subo para acender
Três passos na escada e paro para pensar:
Nós temos que entrar na roda e rodar, até o ciclo final.
Nela eu posso quebrar as engrenagens que gangrenam meu ar.

À janela

Nada me espera neste lugar
Em casa tenho filhos e mulher
Seria minha casa o lugar de descanso,
Um fim de semana sem trabalho qualquer?
E seu pudesse ficar por aqui?
Ah, se eu não precisasse me locomover.
Não passaria horas suando colado
meu corpo em quem nunca vou ver.
Não teria mais aquele encontro casual
No meio dessa multidão docilizada,
Eu não veria o pôr do sol do viaduto ao sair do terminal.
Ah trabalho, se não fosses tão distante
Diminuiria minha carga delirante
Do tempo que não posso perder.
Eu tenho pressa nesta cidade.
Não há mais tempo.
A cidade corre, a cidade muda e a carga fica cada vez maior.
Ah, se eu pudesse eu mudaria pra mais perto.
Hoje, já não sei qual é o meu lugar
Fim de semana sair já não quero
Filhos vão à praia,
Eu fico a descançar...
O que eles pensam
Como eles andam
Eu os desconheço,
Mas os vejo passar.
Talvez o momento mais feliz seja quando consigo sentar à janela, vento ao rosto, quando eu não durmo e passo a pensar: enfim, estou quieto, sem ninguém a me empurrar.

Ronaldo Furtado

Das dunas fiz um porto.

Diante de ti tremo e tenho tudo e remo tanto  para não falar que minha rima fraca e cansada de repouso e  de descanço de um trabalhador da p...