Naquela Sala

Invisível num rosto de adeus, o silêncio nos envolvia no momento em que as lágrimas contidas na ternura de um certo querer bem espalhavam-se pela sala. Em mim, tudo era para sempre, brotava uma extrema atitude a qual não desejo a alguém tão tolo quanto eu: acreditava sem querer crer que, como foi para sempre o nosso amor, seria para sempre a despedida. E a despedida sempre doía mais do que as lembranças. Percebi isso por causa das noites sem sono ou nas perguntas impróprias dos amigos. A despedida se prolongava desdo antes e me seguiria até o depois de nós dois.
Nessas noites, muitas vezes em transe, eu lhe condenava e perdoava numa confusão própria de quem ama o seu vencedor. Já amigos, cheios de maus conselhos, faziam-me reconhecer apenas a sensação aguda da angústia. Eles não podiam sentir. Ignoravam a minha impotência diante do nosso caso. E assim, atordoado, eu não sabia nem como julgar a força que me faltava para ir em busca de reconciliação. Na verdade, sem suportar ficar, eu não sabia como seguir. Como sair daquela sala como se fossemos dois estranhos. Ser obrigado a não ligar porque decidimos esquecer, pois julgávamos que na nossa vida não havia mais espaço para nosso amor. Confesso, não reconheci no momento, mas o nosso romance era a minha vida e há tempos eu sabia que não iriamos sobreviver. Após o fim, tive que renascer sem matar quem me tornei em seus braços – nunca mais fui o mesmo.
Ainda lembro do seu olhar sereno me implorando por paz. Algo necessário para você poder reencontrar o seu caminho. E ciente que seu amor tinha mudado, achava lindo a sua contraditória preocupação em saber se eu iriar ficar bem – não me importava se era ou não sentimento de culpa... Talvez você já não suportasse mais nosso amor, pois, seja qual forma de amar, ceder ao outro nos aleija quando não estamos bem consigo mesmo. Aqueles conflitos minúsculos, os quais nos uniu em outro tempo, já não eram suportáveis. Por isso, a partir daquele momento, naquela sala marcada pelos nossos encontros, com ar nos inundando de certezas e sentimentos obscuros, senti, na neblina da carne, o clima mudar. Eu me via como observador do mundo que criamos; e, para não incomodar você, assumi por instantes esse papel: naquela mesma sala, eu vi um casal sentado frente a frente, pareciam, depois de receber uma notícia ruim, buscar o entendimento.
O casal falava com uma voz miúda e as palavras eram brandas, o que parecia esconder uma simplicidade amarga de um acontecimento não tão bom. Existia carinho entre eles, um cuidado recíproco num descontrole emocional contido. Ambos tinham a intenção de acalentar o outro e a si próprio para não agravar a situação. Como observador desavisado, tranquilamente, eu poderia pensar que a moça iria embora, numa viagem longa, e o rapaz, ali, teria que ficar – ele não tinha a cara de que iria partir.
Sinceramente, com toda aquela angústia e impotência não tinha como eu me distanciar. Só couber abafar a mágoa e ter a certeza de que aquilo era a decisão correta. Não tinha como eu esperar distante as coisas acontecerem. Uma decisão foi tomada, só nos restava suportar a dor. E não foi fácil, fazendo de tudo para que ela não notasse, passei mal. Diante daquela impotência, sem nada poder reverter, deixei esvair num suspiro só as emoções e sentimentos que cultivamos – era a sensação da morte. Sabia que ela se segurava também e não iria notar o meu estado. Por esse motivo, toda vez que venho a esta sala, na qual digito agora este texto, sinto que as paredes estão impregnadas com a nossa vida e que, desdaquela noite, elas deixaram de ser de concreto e reboco para serem uma teia entranhada de acalanto e sofrimento.
E digo-lhes outro segredo, é aqui que venho quando quero me isolar do mundo, deito-me no chão, fico preso à teia, com um copo na mão, escutando amor e paz nessa sala que amei. Penso... como poderei tirar de mim o que anos levei para infiltrar.... Volto a pensar como o observador solitário daquela situação, para em seguida dá uma risada sem graça, porque sei que o mundo sempre volta a sorrir. No fim, o meu drama só pertence a mim e as teias dessa sala. Pois, sem nada de concreto, de tudo foi só o que restou: um abrigo para eu me resguardar e lembrar do tempo que amei.


Comentários

REAVF disse…
"Já que se tem que sofrer. Seja dor só de amor. Já que se tem de chorar. Seja mais por amor ..."

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